terça-feira, 29 de setembro de 2009

Da Glória de Madri à solidão da Rua Bahia

Por Rafael Regis


Na Rua Bahia, no bairro do Gonzaga, em Santos, Pedro já é uma figura conhecida. Sentado na calçada, a cabeça baixa esconde o olhar melancólico. Seu modo de se vestir não deixa aparentar os mais de vinte e cinco anos vivendo nas ruas. Seus cabelos longos, lisos e levemente grisalhos, somados ao bigode comprido, dão a Pedro uma aparência de herói de filme mexicano. Um herói frustrado desde a morte de sua mulher, que sempre esteve ao seu lado e fez valer seus votos matrimoniais, na alegria e na tristeza... A morte de sua amada é o primeiro fato que Pedro conta sobre sua vida, a narrativa continua:


Pedro nasceu em Madri, na Espanha. Sua infância não foi fácil. Filho de mãe viúva, teve que trabalhar desde cedo para ajudar na renda familiar. Mesmo assim Pedro completou o ensino fundamental e sonhava em, um dia, cursar faculdade de arquitetura. Porém, quando sua mãe faleceu, Pedro se viu responsável pela criação de seus dois irmãos mais novos e na pôde continuar os estudos. Teve diversos empregos temporários e fazia qualquer coisa para arrumar algum dinheiro. Nos raros tempos livres, Pedro dava vazão ao seu dom artístico e hobby preferido desde a infância: a pintura. Ele nunca mostrava suas obras a ninguém, nem tinha conhecimento de sua qualidade. Também não se lembra como conheceu Pepe Fernandez, mas lembra que foi ele quem lhe fez uma oferta irrecusável, viver da arte. Pepe Fernandez era empresário de diversos artistas e ao perceber o enorme talento de Pedro, prometeu ao jovem pintor uma vida de sucesso e riqueza. E foi o que aconteceu.


Aos vinte e três anos Pedro vivia uma vida completamente diferente da que estava acostumado. Comprou uma casa grande, um automóvel de primeira linha e passou a freqüentar os círculos da alta sociedade de Madri. Em um leilão, conheceu Conchita e se apaixonou loucamente pela moça. Conchita, que vinha de uma família extremamente rica e influente, também se encantou por Pedro e logo eles iniciaram um relacionamento. Como a família de Conchita não aprovava o relacionamento com Pedro, os dois decidiram fugir juntos. O destino foi uma sugestão de Pepe Fernandez .


Pepe sugeriu que Pedro e Conchita fossem para o Brasil, lá, segundo ele, havia milhares de interessados em sua arte e com o dinheiro da venda de quadros poderiam viver tranquilamente. Pepe viajaria com eles para realizar o contato com possíveis clientes. Então embarcaram no porto de Vigo rumo ao porto de Santos, tinham como destino final a cidade de São Paulo. Porém, durante o último dia de viagem, Pedro e Conchita perderam Pepe de vista. Procuraram-no desesperadamente, porém não obtiveram sucesso. Ele havia sumido, com todas as bagagens do casal, incluindo as pinturas de Pedro, as jóias de Conchita e os documentos dos dois. O que era pra ser uma viagem rumo a paz e a tranqüilidade se tornou um inferno.


O casal passou por mal bocados em Santos, pois não entendiam e nem falavam português, além de não portarem nenhum documento ou dinheiro. Assim, Pedro e Conchita jamais subiram a serra. Por anos tentaram sobreviver nas ruas, dependendo da boa vontade dos outros. Pedro nuna mais teve notícia de seus irmãos mais novos. Foi aí que ele começou a beber. O alcool se tornou uma válvula de escape, porém, Pedro lembra que toda vez q ue retomava a consciência sua vida se mostrava ainda pior.


Pedro não se lembra como chegou à Rua Bahia, mas conta que lá foi tão bem tratado pelos moradores que nunca mais teve vontade de se mudar. Os moradores traziam comida ao casal e tentavam até se comunicar com eles, ouvir suas histórias. Muitos, instigados por Conchita, disseram que Pedro deveria procurar um emprego e largar a bebida. Pedro, porém, como bom espanhol, não ousava ferir seu orgulho. As propostas de emprego que recebia, segundo ele, eram indignas. Pedro também não consegui mais pintar. Primeiro porque não tinha dinheiro para comprar os materiais necessários e segundo porque aquilo o remetia ao golpe sofrido e o causava profunda mágoa. Assim, Pedro continuou vivendo de esmolas e mantinha seus hábitos alcoólatras. “Eu fui estúpido!”, admite Pedro, “Era jovem, tinha muita energia e uma mulher perfeita ao meu lado, poderia ter feito alguma coisa ...”, lamenta.

A vida não era boa para Pedro e Conchita, mas logo eles se acostumaram. Afinal, viviam uma história de romance, repleta de desafios e problemas, é verdade, mas que poderia ter um final feliz. Quase sempre, mesmo quando estava sóbrio, Pedro esboçava um sorriso. Mais tarde, quando começou a procurar empregos e a tentar lutar por melhores condições, viu as portas da sociedade se fecharem a um estrangeiro pobre e com problemas de alcoolismo. O destino ainda reservava uma surpresa para o casal. Conchita, começou a se sentir mal constantemente e foi levada por um morador do prédio vermelho(denominação dada pelo próprio Pedro) ao hospital. Conchita foi diagnosticada com câncer terminal. Os meses seguintes foram marcados por extrema dor para Pedro, ele viu a vida de sua mulher acabar lentamente.


Hoje, três anos após a morte de Conchita, Pedro diz que não tem mais forças pra levantar daquela calçada. “Só contínuo vivendo, pois recebo muita ajuda dos amigos”, conta Pedro, o idioma português, mesmo depois de vinte e cinco anos no Brasil, ainda não é perfeito. Os moradores mais antigos da Rua Bahia, têm um carinho grande por Pedro e alguns casais, como o casal Afonso, tiveram filhos que nasceram acostumados com a presença do espanhol. Higor e Hiago chamam o “mendigo” de Tio Pedro.

Mesmo assim, Pedro é hoje um homem infeliz, castigado pelo sofrimento. É evidente que Pedro foi traído por Pepe e não teve culpa neste caso, porém fracassou quando precisou reestruturar sua vida. O mercado e a sociedade consumista não tinham espaço para um homem como Pedro. Porém, uma pequena parcela, ainda humana, desta sociedade não conseguiu ignorar a presença do homem necessitado e descobriram uma incrível história de amor, aventura, dor...e fracasso.



* Não sabemos até que ponto a história de Pedro é verdadeira. É fato que Pedro se emocionou muito durante sua narrativa. Sua mulher, Conchita, realmente existiu e muito do que foi narrado por Pedro foi confirmado pela família Afonso, família que mais acolheu Pedro. A ausência de datas pode ser fruto de uma mente extremamente perturbada. Quando pesquisamos sobre Pepe Fernandez, não encontramos nenhum dado sobre um empresário no ramo das artes que tenha vivido em Madrid no final do século passado.


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